Ontem de manhã alguém me questionou sobre o que eu sabia acerca das refeições gratuitas que a Câmara Municipal de Sardoal estava a conceder a cerca de 250 crianças e famílias carenciadas do Concelho. Incrédulo pela dimensão da questão, respondi que nada sabia sobre o assunto. Acto contínuo, o meu interlocutor entregou-me uma folha de papel A4, ao mesmo tempo que me informava que se tratava de uma fotocópia de notícias publicadas pelo jornal “Correio da Manhã” no passado dia 19 de Julho.
No canto inferior direito pude ler o seguinte:
“SARDOAL
Refeições gratuitas
Cerca de 250 crianças e famílias carenciadas recebem refeições gratuitas da acção social da Câmara Municipal de Sardoal. O objectivo é combater a crise.”
Confesso que ao ler esta notícia fiquei sem reacção porque, sinceramente, desconhecia tamanha catástrofe. Como é que num Concelho com apenas 3.984 almas, onde quase todos nos conhecemos, foi possível manter-se tal segredo ao longo de todo este tempo? Nem na reunião da Assembleia Municipal realizada no passado dia 28 de Junho, a que assisti, foi abordada a dimensão da pobreza que connosco vive paredes-meias, nem nos meus contactos diários com os meus concidadãos tal assunto alguma vez fora abordado.
Se o conhecimento sobre a existência de uma criança com carências alimentares é capaz de “mexer connosco”, por mais insensíveis que possamos ser, quando esse número se dilata até ao número astronómico divulgado só podemos olhar para a situação e classificá-la de catástrofe.
Diante desta surpresa entendi fazer uma busca na internet para me certificar da autenticidade da notícia. Foi com alguma surpresa que percebi que a situação apresentava contornos quase exclusivos a nível nacional e havia sido notícia no passado dia 19 de Julho nos mais diversos órgãos de comunicação social, desde “o Mirante”, até ao “Correio da Manhã”, passando pelo “Expresso”, RTP e outros.
Dada a semelhança da notícia divulgada, apresento, de seguida a publicada pelo “Correio da Manhã”, no passado dia 19 de Julho.
“…Sardoal: Refeições quentes oferecidas a pessoas carenciadas
Preocupados com o avolumar de casos de carências económicas detectados em jovens em idade escolar, os responsáveis do município de Sardoal decidiram começar a fornecer uma refeição quente diária a crianças e às respectivas famílias.
Os serviços de acção social da autarquia e o agrupamento de escolas do concelho, que abarca cerca de 600 alunos, tem sinalizadas 250 crianças como carenciadas e que recebem apoio alimentar gratuito ao longo do período lectivo, sendo que "os casos mais complicados" -- "algumas dezenas", segundo o vice presidente da Câmara de Sardoal -, recebem um apoio alimentar suplementar, nomeadamente pequeno almoço e lanche.
A medida, lançada na semana passada, visa "minimizar os efeitos da actual crise" que o país atravessa e que, segundo Miguel Borges, "atingiu profundamente alguns extractos da população" local, nomeadamente as crianças em idade escolar e que, em pleno período de férias, se vêem "privadas da única refeição quente de que dispunham" ao longo do dia.
"Se no período lectivo sabíamos das carências que as crianças apresentavam e da importância de podermos fornecer-lhes algumas refeições, na verdadeira acepção da palavra, não os poderíamos abandonar no período de férias grandes", observou, em declarações à Lusa.
As refeições, compostas por sopa, pão, um prato principal e fruta, são confeccionadas na cantina do Agrupamento de Escolas de Sardoal, onde as famílias sinalizadas se deslocam para obter os bens alimentares, previamente preparados.
"Tudo com o maior sigilo e discrição", observou Miguel Borges, apontando para os casos "crescentes" de pobreza "envergonhada", de "pessoas que tinham determinada posição na vida mas que hoje não a conseguem manter e têm alguma relutância em assumir a nova condição".
Para o autarca, "o maior problema são as crianças" que fazem parte daqueles agregados familiares. Porque "se os pais não vêm pedir ajuda nem alimentação porque têm vergonha, quem mais paga são as crianças, que apanham por tabela em idade de aprendizagem e crescimento".
Desvalorizando as despesas inerentes à implementação do plano especial de alimentação às famílias carenciadas -- "é função e obrigação ética e social da autarquia dar de comer a quem nos bate à porta" - Miguel Borges afirmou estar preparado para lançar outros projectos de âmbito social e solidário, abrindo "desde já" as portas da cantina a todas as pessoas necessitadas do concelho.
"A Loja Social tem cerca de 100 pessoas sinalizadas e que a utilizam regularmente em busca de roupa, calçado, brinquedos e detergentes, por exemplo, e já decidimos que a cantina da escola vai estar aberta a todos os que dela necessitarem, sejam idosos, desempregados ou pessoas com dificuldades financeiras circunstanciais", assegurou.
"Se as autarquias não prestarem este serviço de proximidade às pessoas, quem é que presta?", questionou, com um olhar de quem já forma uma nova ideia, para em seguida, já de telefone em punho, revelar que ainda vai tentar "oferecer os livros escolares a todas as crianças do ensino primário". (Correio da Manhã 19/7/2011)
Ninguém consegue ficar indiferente ao ler esta notícia e perceber que, num Concelho deste País, com apenas cerca de 4.000 habitantes, 41% das suas crianças em idade escolar pertencem a uma camada social que as priva da mais elementar necessidade básica que é a alimentação. E quando a pessoa que lê esta notícia, é alguém, como eu, que faz parte dessa comunidade, de imediato emerge uma vontade imensa de colaborar na minimização de tal problema social.
Tentei perceber se a nível nacional existe alguma situação similar a esta e, sinceramente, por mais palavras-chave que utilizasse no motor de busca da Google, sobre o assunto em presença, nada encontrei de tão dramático.
E isto levou-me a pensar que, possivelmente, a divulgação de tal notícia concertada pelos diversos órgãos de comunicação social no passado dia 19, tenha sido um grito de revolta por parte de uma Autarquia que mesmo debilitada financeiramente é capaz de encontrar “algumas forças” para acudir a semelhante catástrofe diante do silêncio de outros a quem competiria tal tarefa social.
O assunto, uma vez que envolve pessoas, deve ser sempre tratado de uma forma a mais discreta e sigilosa possível. Todavia, diante de um tão elevado número de pessoas envolvidas consegue perceber-se que talvez tal tenha sido conseguido, uma vez que tão elevado número de pessoas carenciadas não poderia ser atingido em poucos dias, muito menos em poucas semanas ou meses, e quer eu quer muitos concidadãos com quem ontem contactei, sobre o assunto, desconheciam, por completo, a dimensão deste problema social, que embora localizado no Concelho do Sardoal, é um problema Nacional.
Porque é que um assunto tão delicado, de repente, é “atirado” aos quatro ventos para que todos o conheçam? Chamar a atenção para quem tem sido cego e surdo (seja ele quem for) ou promoção pública do bem?
Face aos contornos da notícia não quero crer que estejamos diante da segunda hipótese (desde muito novos que os nossos pais nos ensinaram que devemos fazer o bem sem olhar a quem e fazer o bem divulgando-o é perverter o verdadeiro sentido do bem), logo só resta o grito de revolta. A quem?
Algo tem de ser feito para reduzir a carga que o nosso Governo Autárquico assumiu para si, uma vez que este problema social diz respeito a todos nós Sardoalenses. Contudo, existem algumas questões que de momento me ocorrem:
- O que tem a dizer sobre isto o nosso Governo? Será que tem conhecimento desta Calamidade Social?
- Porque é que aos fins-de-semana e dias feriados essas crianças, seus familiares e alguns Sardoalenses carenciados são privados da tal refeição quente, uma vez que a cozinha do agrupamento das escolas se encontra fechada nesses dias? Será por falta de verbas para pagamento ao pessoal de serviço? Nesse caso, um grupo de voluntários não os poderia substituir e utilizar outro espaço para a confecção dos alimentos (Exemplo: quartel dos bombeiros ou uma Associação local)? A fome não se revela apenas aos dias úteis da semana e descansa nos restantes dias. Não é possível depositarmos a nossa cabeça na nossa almofada sabendo que uma certa criança, perto de nós, é capaz de estar a chorar com fome.
- Porque é que, de uma forma discreta, a Autarquia não contacta os empresários sediados no Concelho para perceber das suas disponibilidades em colaborarem na resolução do problema, desde a aquisição de géneros alimentícios, livros escolares, roupas e outras? Falando enquanto empresário e por muitos outros que conheço, a Autarquia obteria, para estes casos específicos, uma ajuda muito interessante. A pergunta que se coloca será: - Porque não o faz?
Qualquer que seja a pessoa carenciada, deve de merecer a nossa atenção e apoio. Aos fracos (crianças, doentes e velhos) deveremos preocupar-nos para que não lhes falte comida, abrigo, saúde e conforto emocional. Para os outros, cuja carência não advém de uma situação de fraqueza mas que a mesma resulta apenas da impossibilidade em conseguirem condições financeiras que lhes permitam garantir o seu direito à sua comida, abrigo, saúde e conforto, a nossa preocupação deverá conduzir-nos a um outro passo: entregar-lhes uma enxada para que cavem a terra e nela enterrem as sementes da sua independência.
Com alguma apreensão passo a aguardar futuros desenvolvimento por parte de quem tem a responsabilidade primeira em nos garantir os mais elementares direitos à nossa própria sobrevivência.
Que nenhum indivíduo pense que é saudável quando vive numa comunidade que se encontra doente. Será que quando alguém, com responsabilidade, revela que 41% das crianças de uma comunidade necessitam de apoios externos que garantam o seu direito a uma refeição saudável, como as do Sardoal, é capaz de afirmar que tal sociedade não se encontra doente?
Que as nossas mãos se unam e que juntos possamos tornar a comunidade Sardoalense, uma comunidade mais saudável.
domingo, 24 de julho de 2011
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