domingo, 24 de janeiro de 2010

Jogos de Poder (4)

Escrevi no meu último artigo que a análise aos Documentos Previsionais de qualquer Autarquia deste País deve passar por dois níveis de discussão: vitalidade financeira e estratégia política. Em presença destes dois planos de discussão, entendi opinar no meu último artigo sobre a vitalidade financeira da nossa Autarquia, a qual é de tal forma débil que não me coibi de afirmar que: “os ovos não chegam para tantas omeletas. Por muito que seja a vontade do “cozinheiro”, com a despensa vazia, não há como cozinhar”.

Mais referi que, na sua génese, os Documentos Previsionais encerram um sonho lindo que todos gostaríamos de poder ver concretizado, mas que ninguém, em consciência, acredita. E não acredita porque o mesmo é uma reedição do passado, onde não falta a ambição, mas falta a energia que transforma o sonho em realidade: o dinheiro.

A presença de uma nova variável neste “jogo” (Águas do Centro), mais do que poder contribuir para a solução do problema revela sinais que indiciam o agravamento desse mesmo problema. Os sinais são de tal modo evidentes que só não vê, quem efectivamente não quer ver. Se o negócio tinha como princípio o aliviar da carga financeira que a Autarquia tinha com os custos resultantes com a captação, tratamento e armazenamento de água potável e com o tratamento dos esgotos domésticos do Concelho, são os próprios Documentos Previsionais que demonstram o contrário e confirmam, infelizmente, o que sempre pensei sobre o assunto.

Reafirmo o que disse quanto à discussão de um valor previsto numa receita ou numa despesa nos Documentos Previsionais poder ser uma pura perda de tempo, quer para quem argumenta, quer para quem tem de “gramar” com tal argumento. E se esse valor carregar consigo algum suporte lógico? Bom, nesse caso talvez mereça um olhar mais atento. Naqueles que apresentam algum suporte lógico existe um que me merece uma atenção especial e tem a ver com a relação contratual com a Águas do Centro.

Se… Na página 6 dos Documentos Previsionais é referido: “ Venda de Bens e Serviços – Esta rubrica tem um peso de 13% do total das receitas correntes. Regista uma diminuição de 53% em relação a 2009. Os valores apresentados tiveram como base a média dos últimos 3 anos, excepto na componente Produtos Acabados e Intermédios (água, saneamento e resíduos sólidos) em que os valores calculados foram em função do produto dos consumos de 2009 com os preços da nova tabela de preços e tarifas, aprovada em reunião de Câmara a 17 de Novembro de 2009. As principais componentes são a Venda de Água e o Saneamento com o peso de 33% e 31%, respectivamente”…


Se… Na página 15 dos Documentos Previsionais para o ano de 2010 é referido que a Receita Prevista na venda de Produtos Acabados e Intermédios será de 238.918€…

Se… Conjugando-se toda a informação atrás expressa poderá concluir-se que a previsão da Receita da Autarquia, para o ano de 2010, pelo fornecimento de água à população será de 80.000 € (33% × 238.918€) enquanto que pelo tratamento de esgotos será de 74.000 € (31% × 238.918€) …

Se… De acordo com o estabelecido no contrato entre a Autarquia do Sardoal e a Águas do Centro existe uma cláusula que obriga a Autarquia do Sardoal a pagar anualmente caudais mínimos estabelecidos e que, de acordo com o indicado no meu artigo anterior (Jogos de Poder 2), podem atingir claramente os 300.000 €…

Se… com base no atrás apresentado, a Autarquia para cumprir com o disposto no contrato “arrisca-se” a ter de recorrer a significativas verbas próprias para “cobrir” o valor em falta pago pela população e que pelas previsões que os Documentos sugerem, as receitas obtidas apenas poderão cobrir 50% dos encargos anuais previstos no contrato…


E se… No capítulo da distribuição de água à população e tratamento dos esgotos, a Câmara Municipal do Sardoal, tiver de assumir, AINDA, todos os encargos financeiros resultantes de: Captação, Tratamento e Armazenamento de água dos sistemas públicos de São Simão, Entrevinhas, Codes e Tojeira; Manutenção de toda a rede de distribuição de água ao Concelho incluindo Substituição e Ampliação das redes de distribuição domiciliária de água; Manutenção e Ampliação das Estações de Tratamento de Esgotos de Cabeça das Mós (2), Panascos e Vale das Onegas; Manutenção e Ampliação de toda a rede de colectores de esgotos domésticos do Concelho…

Não é difícil prever a dimensão do desequilíbrio financeiro que a Adesão do Município do Sardoal ao Sistema Multimunicipal das Águas do Centro pode originar. E o tempo de eficácia do contrato não é, infelizmente, para um só ano. São 30 ou 35 anos?

A Conclusão Final a que se poderá chegar sobre a vitalidade financeira da Autarquia Sardoalense é a de que ela é de tal forma débil que não permite qualquer tipo de aventuras e experiências por parte de quem tem a responsabilidade de a gerir.


Objectivos Estratégicos

Não havendo já areia na qual possamos esconder a nossa cabeça a pergunta que se impõe é questionarmo-nos sobre: O que fazer?

Julgo que é chegada a hora de todos (digo TODOS) pararmos para pensar.

Não é difícil percebermos que existem dois objectivos estratégicos muito bem identificados. Por parte de quem se encontra no poder é esperar que o tempo passe e que um milagre aconteça. Até lá vão-se gerindo as parcas migalhas disponíveis privilegiando-se a criação dos postos de trabalho de que o Concelho muito padece. Por parte de quem se encontra na oposição a estratégia é vir a deter o poder. E depois? Bem… depois é esperar que o tempo passe, um milagre aconteça e distribuir as parcas migalhas disponíveis com a criação de mais alguns empregos.

O futuro do Concelho do Sardoal depende em exclusivo da força motora da sua Autarquia. Não é com “pensos avulsos” e “sonhos miríficos” que poderemos tratar o gigante com pés de barro.

Se a Autarquia Sardoalense não tem meios financeiros que consigam satisfazer os encargos normais que possui, que o impedem de satisfazer alguns compromissos financeiros, endividando-se de uma forma contínua, ao mesmo tempo que se vão adiando outros compromissos que não consegue satisfazer, o que se poderá pensar sobre o volume de projectos previstos nos Documentos Previsionais? A este propósito, julgo pertinente abordar um deles: Ampliação da Zona Industrial do Sardoal.

É do domínio de todos que a Zona Industrial do Sardoal nasceu torta e, como tal, torta morrerá. A uma deficiente localização e concepção, seguiu-se uma deficiente gestão dos espaços criados. Passados que são mais de 19 anos desde que foi iniciada, ainda hoje não está concluída. E a sua não conclusão não é fruto de uma “teimosia” ou “má vontade” por parte de quem a “herdou”. Simplesmente não há dinheiro e as torneiras dos financiamentos nacionais e comunitários para a criação das Zonas Industriais, há muito se encontram fechadas.

Quantos dos eleitos que constituem o Executivo Municipal e Assembleia Municipal já alguma vez fizeram um passeio a pé ao longo de todos os arruamentos inseridos no perímetro da Zona Industrial do Sardoal? Caso o fizessem e soubessem que os investimentos globais ali realizados pela Autarquia nos últimos seis anos foram de tal forma residuais, compreenderiam que a abordagem à sua ampliação merece alguma ponderação. E se essa ponderação passasse pela curiosidade em conhecerem no terreno o espaço previsto para essa ampliação que possivelmente apenas conhecerão do papel, sentiriam um desconforto ainda maior ao perceberem a inutilidade do investimento. Quanto custará à Autarquia adaptar aquele terreno, com cerca de 400 metros de comprimento, cerca de 100 metros de largura e 38 metros (!!!) de desnível, a espaço industrial? Uma das causas do fracasso da actual Zona Industrial prendeu-se com a topografia do terreno original ter sido muito desnivelado o que obrigou a investimentos significativos em movimento de terras (escavação e aterros). Será que o terreno, no qual se pretende ampliar a Zona Industrial, não apresenta características topográficas piores que as outras. Será que nem com os erros da história aprendemos? Será que eu não tinha razão quando aqui escrevi há algum tempo atrás, que aquele espaço tinha todas as condições para ser transformado numa pista de motocross ou numa caçada radical ao javali (que por ali existem), mas nunca em espaço para instalação de indústrias?

Sou daqueles que pensam que o sucesso económico de um Concelho não tem de passar obrigatoriamente por possuir uma Zona Industrial. Contudo, se quem dirige os destinos deste Concelho entende dever ser esse um dos caminhos a trilhar, nada tenho a obstar. Parecendo ser pacífica tal ideia, por parte de quem governa e de quem é oposição, a todos peço que façam o seguinte exercício de pensamento:
- Quais serão os locais do Concelho que logísticamente poderão responder melhor às expectativas dos empresários aliciando-os a virem instalar as suas industrias no Sardoal?
- Quanto custa adaptar esses locais aos fins pretendidos e quais as verbas disponíveis para o efeito?
- Concluído o espaço, que condições o Concelho do Sardoal passa a oferecer aos potenciais investidores e promotores de postos de trabalho que outros Concelhos nossos vizinhos não oferecem já?

Não tenho qualquer problema em partilhar o meu pensamento sobre estas questões: As Zonas Industriais teriam de se localizar num ponto tal que facilitasse o escoamento dos produtos fabricados (junto à EN2, entre a actual Zona Industrial e o extremo Norte do Concelho); as verbas disponíveis para o investimento sendo próprias e sendo escassas não deveriam envolver significativos custos, obrigando que os terrenos sejam o mais nivelado possível (só vislumbro dois: um localizado do lado esquerdo da via que liga Andreus à EN2 e o outro entre o cruzamento da EN2 e a Venda) e o seu sucesso dependeria da lotação da Zona Industrial de Abrantes, cujos lotes, devidamente urbanizados apresentam-se logísticamente melhor localizados e, por conseguinte, mais apetecíveis aos investidores. Como se poderá concluir são várias as variáveis que poderão influenciar tal decisão. Depois de tudo isto bem estudado ainda há uma barreira a transpor: Plano Director Municipal. A este propósito: Será que já foram dadas directrizes aos técnicos que procedem de momento à revisão do PDM para atribuirem à tal parcela de terreno de que se fala, para a Ampliação da Zona Industrial, a categoria de Espaço Industrial?

Muito poderia continuar a escrever sobre o que penso sobre a prestação de todos aqueles que tiveram o dever de discutir e aprovar os Documentos Previsionais para o ano de 2010 e o seu contributo para o sucesso do seu (e meu) Concelho. Numa apreciação global foram mais os contributos nos clichés já gastos por uns e o “empatar” do tempo por outros, do que os contributos pró activos que o momento impunha.

Não pretendo com este meu pensamento dizer que tudo foi mau. De ambos os lados até houve intervenções que as actas registarão como tendo sido interessantes, só que foram tão breves e tão focadas nos erros ou omissões dos números, que se perderam no meio das demais.

- Com excepção da intervenção de um Deputado Municipal da oposição que questionou a razão porque os Documentos previam a execução de trabalhos de ampliação da ETAR do Sardoal, quando tal competência é exclusiva das Águas do Centro (ainda hoje não consegui perceber a resposta dada pelo Presidente da Câmara), nada foi referido sobre aquela que poderá ser a expectativa do exercício do primeiro ano do contrato com a Águas do Centro. Consultando a acta da reunião do Executivo Municipal não encontrei um único sinal em como tal tema tenha sido também ali abordado.

- O impacto da Adesão vai ter resultados inesperados e desagradáveis. As tarifas de água e esgotos já subiram e não tardará muito a que se perceba a necessidade do seu aumento ser equacionado de novo. Não só a Autarquia não tem condições para fazer face aos compromissos financeiros que o contrato lhe exige, como nunca se preparou para o enfrentar (Quantas são as tomadas de água da rede pública sem qualquer controle e sem contadores? Que garantias existem que inviabilizam que em tempo de chuva a Autarquia não tenha de pagar à Águas do Centro milhares de metros cúbicos de águas pluviais que ao entrarem nas redes públicas de esgotos domésticos vão passar pelos contadores localizados às entradas das ETAR’s e, por isso, assumidos como se de esgotos normais se tratassem?).

- Porque é que ninguém questionou onde a Autarquia pretende investir a receita extraordinária de 1,098 milhões de euros de compartida pela Adesão à Águas do Centro? Nos próximos 30 ou 35 anos do contrato tal receita não se voltará a repetir, dado este ser um acto único. Onde fará mais falta a sua aplicação? Nos projectos co-financiados ao abrigo do QREN? Nos sistemas em alta de águas e esgotos que a Águas do Centro recusou assumir por não lhe serem rentáveis e que a Câmara Municipal tem o dever de continuar a cuidar? Na regularização de dívidas pendentes? Onde?

- Porque é que ninguém abordou o desequilíbrio pronunciado entre as Receitas Normais e as Despesas normais e propôs saídas para contornar o problema ou com o recurso à redução das Despesas, ou com o recurso ao aumento das Receitas, ou com o recurso a ambas? É verdade que alguns dos eleitos começam agora a dar os primeiros passos e ainda não tiveram tempo de se “adaptar” à realidade da Autarquia. E os outros, já com mais de quatro anos de “experiência autárquica”, porque se remeteram ao silêncio neste assunto? Será que algum deles acredita na tese segunda a qual, durante o ano de 2010 a Autarquia Sardoalense terá mais Receitas Correntes do que Despesas Correntes?

- De que vale discutir-se se uma obra já possui projecto concluído e faz parte ou não de um processo de candidatura a financiamento Nacional ou Comunitário se todos sabemos que por muito pouca que possa ser a contribuição própria da Autarquia ela não existe e, por isso, a execução da obra não passará de uma mera vontade ou sonho pessoal? Não será pura perda de tempo analisar e discutir-se o impossível?

- Porque é ninguém é capaz de assumir que é chegada a hora da Autarquia assumir a sua total impotência para ultrapassar o profundo problema financeiro que a atinge e solicitar ajuda aos privados? Será que não se conseguiriam promover alguns projectos conjuntos interessantes (exemplo: uma grande urbanização de qualidade que pudesse aliciar outros a virem fixar residência no nosso Concelho contribuindo com isso para o aumento da sua população e das receitas fiscais da próprias Autarquia)?

- Será que não tarda a realização de debates sérios e construtivos, no qual participem os eleitos locais e os seus eleitores, no sentido de se encontrarem caminhos de saída para esta crise que todos atravessamos?

- Será que a Autarquia por forma a ultrapassar o profundo défice de desemprego no Concelho ao "esticar" ao limite das suas possibilidades a promoção de postos de trabalho não está ela própria a criar um problema estrutural a esses mesmos postos de trabalho? Será que a estratégia adoptada (que não tenho problema algum em saudar) não deveria ser acompanhada por uma outra estratégia paralela que a pudesse equilibrar? Porque é que se teima em esperar pelo milagre em vez de se ir ao seu encontro?

- Será?...

-Será que tudo está bem, que os Documentos Previsionais para o ano de 2010 são excelentes (como alguém, com formação própria na área da economia, defendeu), que todos estão certos e que no fundo eu é que estou errado? Que bom que seria poder perceber quão errado me encontro.

Daqui a um ano veremos de que lado se encontra a razão. Caso esteja errado, não imaginam o gosto que terei em “morder a língua” e penitenciar-me sobre o que pensei da abordagem que os nossos eleitos fizeram aos Documentos Previsionais para o ano de 2010. Sabem porquê? Porque era sinal que o meu património estava mais valorizado do que actualmente se encontra.

Termino este já longo artigo que intitulei de Jogos de Poder com um pedido aos eleitos do meu Concelho: questionem-se, sejam pró activos nas suas críticas e elogiem quando o acto merecer aplauso. Gostaria que entendessem que tudo o que escrevi ao longo destas quatro semanas teve um único propósito: partilhar o meu conhecimento. E fi-lo porque sou parte interessada neste processo enquanto alguém que reside e trabalha no Concelho do Sardoal.

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