domingo, 22 de março de 2009

Caminhos de Deus (2)

Com o nascimento da minha filha (1983) a minha “relação” com Deus começou a ser mais forte. O amor de pai levava-me a que diariamente Lhe pedisse que a protegesse e que nenhum mal a invadisse: “Se a dor dos outros nos incomoda o que dizer quando a dor toca quem amamos?

Enquanto fumador muito activo, no início de 1985 percebi que, definitivamente, tinha de deixar de fumar. Os dois maços de cigarros, que diariamente “queimava”, colocavam "em sentido" a minha saúde. Raras eram as noites que não acordava com falta de ar. Haviam sido várias as vezes que tentara deixar de fumar só que o vício fora sempre mais forte que eu. Um dia, que apenas recordo ter sido na primeira metade do ano de 1985, decidi deixar de fumar. Sentindo que sozinho seria impotente para levar a cabo tal tarefa, decidi recorrer Àquele que diariamente pedia para proteger a minha filha. Pedi-Lhe que me desse forças para resistir à tentação do cigarro. E resisti um dia. Voltei a pedir e resisti outro. A tentação de voltar a pegar num cigarro e responder aos “pedidos do vício” eram enormes. Quando tal acontecia, algo que não sei explicar me fazia recuar. Os dias, deram lugar á semana, a semana aos meses e os resultados não poderia ser melhor deixara de fumar. Os pedidos que diariamente inicialmente efectuara a Deus, deram lugar a um agradecimento diário.

É neste cenário de agradecimento, que em 1986 me vejo envolvido numa situação peculiar: enquanto funcionário público (fiscal técnico de obras de 1ª classe) do quadro do Gabinete de Apoio Técnico de Abrantes, ao qual pertencia desde Janeiro de 1979, comecei a não me sentir bem no meu espaço de trabalho. Pese o facto de, na altura, ter rendimentos mensais muito razoáveis, algo me empurrava para a necessidade de ter de dar um novo rumo á minha vida. Um dia, em que o sentimento de mudança se revelaou mais forte, sou informado que a Embaixada do Canadá em Lisboa voltara a abrir as portas à emigração, dando preferência a técnicos e famílias jovens já constituídas.

Nesse dia, à noite, pensei: - São raros os emigrantes que eu conheço, que não venceram nos Países que os acolheram. E se eu emigrasse para o Canadá? Embora tivesse algumas coisas a favor, eram mais aquelas que eu tinha contra. Desde logo, não tendo ninguém conhecido no Canadá que me pudesse servir de âncora, depois a minha idade (31 anos), depois a profissão que não era de operário especializado, depois a responsabilidade que tinha para com a minha família caso tudo resultasse numa aventura fracassada, enfim… o conjunto dos "nãos" eram infinitamente superiores ao conjunto dos "sins". Foi debaixo deste emaranhado de pensamentos, que nessa noite rezei e Lhe pedi que me ajudasse a encontrar a resposta sobre se valeria a pena emigrar para o Canadá. No fim decidi que iria escrever no dia seguinte uma carta para a Embaixada do Canadá em Lisboa ao mesmo tempo pedi-Lhe que: “Se o passo que iria dar fosse bom para mim e para a minha família, que o pedido fosse aceite e que eu emigrasse, caso contrário que tudo não passasse de um sonho fugaz”.

No dia seguinte, tal como prometera, escrevi uma carta para a Embaixada do Canadá e durante alguns dias esperei pela resposta, ao mesmo tempo que renovava diariamente o meu pedido a Deus. Poucas semanas depois a resposta veio: “convidavam-me para uma entrevista, a mim, bem como à minha família”.

Da entrevista, aos exames médicos e à autorização de emigração foi um passo que durou poucos meses. Em Abril/Maio de 1987, já com a autorização de emigração nas mãos, questionei-me sobre se tudo aquilo tinha algum sentido. E a Gina acompanhou-me nos mesmos pensamentos. Decidimos colocar uma pedra sobre o sonho de emigrar e, para que não restasse qualquer dúvida “derretemos” as nossas parcas economias na aquisição de um carro novo (Fiat Regata) que nos custou 1.600 contos.

Porém, quando à noite rezava, questionava-me ainda sobre o valor do pedido que havia feito a Deus. “- Seria bom? Seria mau?”. Como se encontrava a decorrer, o prazo dado pela Embaixada do Canadá para emigrar, continuava a pedir a Deus que me desse uma luz definitiva sobre o assunto.

Em Setembro de 1987, depois de mais um “ataque de insatisfação laboral”, decidi pedir uma licença sem vencimento e ir visitar o Canadá. Nem o facto de ter comprado o carro novo me fez mudar de opinião. Perante a vontade da minha Directora de não me aceder a tal pedido e impulsionado por uma força difícil de descrever, decidi fazer a viagem sozinho e arriscar, mandando às urtigas a possibilidade de nunca mais voltar a trabalhar no GAT de Abrantes. Comigo, tinha o maior Amigo e Cúmplice que alguém pode ter, para além de uma esposa fantástica que desde a primeira hora estava comigo.

O início da minha aventura Canadiana não foi o que perspectivava: trabalhei no chamado “duro”. A minha sobrevivência passou a depender da força dos meus braços. Raro era o dia que, iniciado o trabalho às 8 horas da manhã, meia hora depois já não estava a pedir a Deus que me desse forças. E tinha-as, ao recordar-me constantemente que o Seu sofrimento na cruz, era infinitamente superior àquele que estava a passar. Por isso rara era a operação de força que não era intimamente acompanhada de: “Faço isto por ti, Meu Pai! Com a minha idade sofreste mais do que aquilo que estou a sofrer." À noite, raras eram as vezes que questionando-O porque tinha emigrado e comparando a vida profissional que tinha em Portugal e aquela que estava a experimentar no Canadá, não sentia um arrepio estranho que me invadia o corpo. Se “aquilo” era uma resposta às minhas preces não sei, mas que era estranho, acreditem que era.

Em Setembro de 1988, estava eu a fazer a piquetagem topográfica para a Firma que trabalhava Brantco Construction num parque de estacionamento de uma Igreja, quando o “contacto” se deu. O Engenheiro Ângelo Inoccenti, responsável pela obra, deu-me o contacto de um College onde eu poderia tirar um curso de topografia, como sendo uma boa saída para o trabalho “duro” que havia um ano experimentava.

Porque seria longo o texto através do qual eu poderia descrever os Caminhos que Deus tinha traçado para a minha aventura Canadiana, permito-me colocar a seguinte questão: “ Será que, pese todo o saber que pudesse ter acumulado até aos meus 33 anos, com um único ano a viver numa comunidade de língua Inglesa em que não praticava a língua de Shakespeare mais do que 1 hora, no máximo, por dia foi possível o seguinte: - Fui convencido a não tirar o curso de topografia, mas sim o curso de engenharia civil; as aulas já se haviam iniciado e foi-me aberta uma excepção depois de ter passado num exame de matemática e ter apresentado o meu curriculum académico que tinha levado comigo desde Portugal; no primeiro ano os meus colegas falavam comigo, não os percebia, ao passo que os professores quando falavam, era como se a língua utilizada fosse a Camões; no fim do 1º ano já era o segundo melhor aluno do curso e um convite para trabalhar num Gabinete de projectos tirava-me das mãos o tal trabalho duro experimentara entre Setembro de 1987 e Setembro de 1988; e por fim, Abril de 1991, revela que dos 24 alunos que haviam iniciado o curso de engenharia civil no ano de 1988, eu estava entre os 12 que o concluíram com sucesso. Só que o sucesso teve contornos que ainda hoje me custa a acreditar, pese todo o empenho que depositei ao longo dos 3 anos. Das 36 cadeiras do curso, eu obtivera 2 B (equivalente a Bom) e 34 A (equivalente a Muito Bom) que fez de mim o 2º melhor aluno de todo o College (aproximadamente 2.000 alunos) naquele ano e o melhor aluno de engenharia civil nos 18 anos do curso naquele college? É UMA LONGA QUESTÃO. Independentemente de me ter aplicado, ainda hoje tenho a plena convicção que a Mão de Deus me acompanhou e me traçou um caminho ao qual não consegui fugir.
Nesse ano, recusei um convite para trabalhar como engenheiro no Município de Cambridge e aceitei o convite para ser Adjunto da Presidente da Câmara Municipal de Sardoal. Missão: Ser Engenheiro na Autarquia Sardoalense e o facto de ser Adjunto fora a forma encontrada para poder ser compensado financeiramente da opção. Porque regressei a Portugal e para o Sardoal, são questões que não coloco. São insondáveis os caminhos de Deus e a sua lógica é diferente dos caminhos dos homens.

Pelo que já vivi, entendo que há perguntas que necessariamente não necessitam de respostas. O que já me foi oferecido por Ele, é bastante para acreditar que Ele existe e que é meu Companheiro.

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