domingo, 25 de maio de 2008

Um Negócio da China (Parte 6)

Sistema da Alta do Abastecimento de Água - Conclusão

Comprometi-me no último artigo, que hoje concluiria a minha análise sobre a adesão do Município do Sardoal ao Sistema Multimunicipal das Águas do Centro SA para que esta última, durante 30 anos, se responsabilize pela gestão de todo o Sistema da Alta do abastecimento de água a todo o Concelho. Assim farei. As revelações finais que tenho para apresentar são tão surpreendentes que “até doem”. Peço por isso um pouco de paciência e disponibilidade temporal para poderem ler o que escrevo e meditarem.

Convido-vos, então, a conhecerem o que 16 autarcas do Município do Sardoal aprovaram em Junho de 2006 (que passarei a denominar de “GRUPO DOS 16”) e o que outros 8 autarcas do mesmo Município não só reprovaram, como também tudo fizeram para impedir que os primeiros o fizessem. (Nesta altura, lembro como eu próprio, enquanto Vereador e Munícipe, tudo fiz para elucidar os Deputados Municipais, durante a reunião da Assembleia Municipal que selou este acordo. Quando se iniciava o debate sobre o assunto, pedi, na qualidade de Vereador, autorização ao Presidente da Assembleia Municipal para poder usar da palavra. A resposta veio na pessoa do Presidente da Câmara que logo ali ameaçou que, caso me fosse dada a palavra, ele próprio abandonaria a reunião. No respeito pelas instituições mantive-me calado e esperei pelo fim daquela reunião. No tempo concedido aos Munícipes e na qualidade de munícipe, tentei elucidar os membros da Assembleia Municipal sobre os erros que o contrato de adesão encerrava e que eles haviam acabado de aprovar. Retenho ainda as palavras do Presidente da Assembleia Municipal convidando-me a abreviar a minha intervenção. Como era enfadonho o assunto dos caudais mínimos e consumos!).

O ERRO GROSSEIRO

Nos artigos anteriores expliquei:
- Como a Águas do Centro SA entendeu cobrar caudais mínimos anuais de água ao Município do Sardoal, independentemente, deste os utilizar;
- Como os caudais mínimos previstos para o ano de 2008 “obrigava” os 4.000 habitantes do Município a consumirem, individualmente, 5 m³ de água POR MÊS, enquanto a Autarquia teria de consumir 370 m³ de água POR DIA;
- Como a Águas do Centro SA “INVENTOU” uma população que o Município não tinha em 2002 e como “INVENTOU” o crescimento da população até ao ano de 2030;
- Como a Águas do Centro SA não utilizou o mesmo critério inventivo com um dos outros Municípios aderentes;
- Como a Águas do Centro SA projectou entregar ao Município do Sardoal, nos 30 anos de contrato, 12.079.699 m³ de água própria para consumo humano e somados os caudais mínimos anuais que propôs cobrar, o valor encontrado é de 12.495.000 m³.

Recordemos agora alguma informação prestada pela Águas do Centro SA e relativa à população de 2 dos 5 Municípios aderentes. O número de habitantes para ano de 2001 resulta dos resultados obtidos através do Censo de 2001 e o número de habitantes para os anos de 2002 e 2030 resultam de projecções da Águas do Centro SA.
Município .............. População ..... População ..... População
................................ 2001 ............ 2002 ............... 2030
Sardoal ..............4.104 .........4.999 .......... 6.448
V.N. Barquinha ..7.610 .........7.144 .......... 7.506


Recordemos ainda os caudais que a Águas do Centro SA projectou fornecer a estes 2 Municípios durante os 30 anos do contrato:
Sardoal … 12.079.699 m³
Vila Nova da Barquinha … 14.256.197 m³


Acompanhem-me neste exercício:
Supondo que a população do Município do Sardoal se mantinha inalterada e não crescia entre 2001 e 2030 (conforme a Águas do Centro SA projectou) e que a população de Vila Nova da Barquinha também se mantinha inalterada e não decrescia (conforme a Águas do Centro SA também projectou), qual o consumo mínimo mensal e por habitante que as duas autarquias teriam de pagar á Águas do Centro SA, durante 30 anos?

Sardoal = 12.079.699 (m³) ÷ 30 (anos) ÷ 12 (meses) ÷ 4104 (hab.) =
= 8,176 m³ por habitante e por mês.
Vila Nova da Barquinha
= 14.256.197 (m³) ÷ 30 (anos) ÷ 12 (meses) ÷ 7610 (hab.) = 5,204 m³ por habitante e por mês.

Resultado:

- A Águas do Centro SA, no mínimo, por cada habitante do Sardoal e durante 30 anos, cobraria à Autarquia de Sardoal 8,2 m³ de consumo de água por mês.
- A Águas do Centro SA, no mínimo, por cada habitante de Vila Nova da Barquinha e durante 30 anos, cobraria à Autarquia de Vila Nova da Barquinha 5,2 m³ de consumo de água por mês.
- São surpreendentes as informações que hoje temos quanto ao crescimento e/ou decrescimento da populações destes 2 Municípios desde 2001 até aos dias de hoje (2008)!


Supondo que o “Grupo dos 16”, que aprovou a adesão do seu Município à Águas do Centro SA, em Junho de 2006, tivesse escutado aquele Vereador que “ousou desafiar” as suas decisões, teriam ficado a saber que:

Se o Município do Sardoal tivesse sabido negociar e se o consumo mínimo mensal a cobrar pela Águas do Centro SA a cada habitante do Concelho de Sardoal fosse igual à a cobrar a cada habitante de Vila Nova da Barquinha, deixaria de ser pago, a preços de 2008, e tomando como referência o somatório dos caudais mínimos que a Águas do Centro SA cobrarão durante os próximos 30 anos (12.495.000 m³), o valor aproximado de 2,5 Milhões de Euros. DOIS MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS!

4104 (hab) × 12 (meses) × 30 (anos) × 5,2 (m³) = 7.682.688 m³
12.495.000 m³ - 7.682.688 m³ = 4.812.312 m³
4.812.312 m³ × 0.5199€ = 2.501.921 €

Nota: Para os mais leigos, devo referir que 2,5 Milhões de Euros representam cerca de 3 anos de receitas próprias da Autarquia Sardoalense.

O PODER DE QUEM “MARCA AS CARTAS DO JOGO”

No meu artigo anterior apresentei-vos o Contrato referente à Gestão do Sistema da Alta do Abastecimento de Água apresentado pela Águas do Centro SA e aprovado pelo “GRUPO DOS 16”.

Da sua leitura é possível extrair a seguinte conclusão:
- Se por qualquer motivo a Barragem da Lapa não apresentar condições para o abastecimento de água á população do Município do Sardoal, quer o motivo se prenda com a quantidade de água disponível ou com a qualidade que apresenta, a Águas do Centro SA não tem quaisquer responsabilidades em fornecer outro tipo de água em alternativa. Os Sardoalenses que esperem por melhores dias e… (utilizando a linguagem popular) DESENRASQUEM-SE!

- Se por motivos de ordem financeira a Autarquia Sardoalense não efectuar os pagamentos devidos nos prazos estipulados, a Águas do Centro SA, tem o direito de cortar o abastecimento de água à População enquanto os pagamentos em dívida não forem satisfeitos. Uma vez mais … Os Sardoalenses que esperem por melhores dias e… DESENRASQUEM-SE!

Não é estranho que sejam sempre os mesmos a terem de se “desenrascar”?
Todos estes actos de “bem desenrascar” não têm custos?
Será que não temos todos o direito de nos indignarmos diante de tantos deveres e tão poucos direitos a que ficaremos sujeitos durante 30 anos?


A PRENDA

Nesta altura o meu leitor deve, com toda a certeza, formular a seguinte pergunta:
- Se este contrato apresenta tantos riscos e prejuízos à população, que raio levou o “Grupo dos 16” a aprovar o contrato de adesão?
A resposta é simples:
1º - A partir do momento que ao líder desse “Grupo dos 16” é proposto que caso o Município do Sardoal aprovasse a adesão, a Águas do Centro emitiria a favor da Autarquia Sardoalense um cheque no valor de 1.098.000€ (valor das verbas próprias utilizadas pelo Município na construção da Barragem da Lapa, provenientes de empréstimos a Médio e Longo Prazo, para que durante os 30 anos do contrato a Águas do Centro SA pudesse assumir plenos poderes sobre a gestão da própria Barragem) e que o Município receberia da Águas do Centro SA rendas anuais (nos 3 primeiros anos as rendas no valor global de 121.720€ seriam cativadas pela Águas do Centro SA, e esse valor representaria a posição do Município no Capital Social da Empresa, enquanto que nos anos seguintes do Contrato receberia uma renda anual de 24.380€), o resto já não interessava conhecer.

2.º Era uma pura “perda de tempo” analisarem-se as cláusulas contratuais que a Águas do Centro SA apresentava como contrapartida a tudo aquilo que se comprometia a “DAR AO MUNICÍPIO”. Utilizando, de novo, a linguagem popular, estávamos todos diante de “uns gajos porreiros”.

3º A mensagem do líder do “Grupo dos 16” teve eco nos restantes membros do Grupo e ninguém leu o contrato!

O PREJUÍZO DO NEGÓCIO DA ÁGUA

Limitando-me apenas ao negócio da água (o negócio do tratamento dos esgotos que em próximos artigos abordarei, que também é ele próprio ruinoso para o Município do Sardoal, que faz parte deste acordo e para o qual o Município de Sardoal não receberá quaisquer contrapartidas financeiras que as aqui registadas) pode-se concluir o seguinte:

O Município do Sardoal receberá da Águas do Centro SA, durante os próximos 30, anos contrapartidas financeiras, no valor global estimado de 1.877.980€ (1.098.000€ + 121.720€ + 27 (anos) × 24.380€).
A Águas do Centro SA ao propor no contrato o pagamento dos caudais anuais mínimos de água que o Município do Sardoal deverá pagar durante 30 anos e ao não utilizar o mesmo critério que adoptou para com um outro Município aderente, obrigou o Município do Sardoal a aceitar pagar mais de 2,5 milhões de euros do que a lógica negocial recomendaria.
Se juntarmos a este prejuízo de 600 Mil Euros o facto de: A Autarquia Sardoalense durante 30 anos perder toda a competência que neste momento detém sobre o aproveitamento turístico, económico, ou outro, da Barragem da Lapa; A Autarquia Sardoalense ter de pagar à Águas do Centro SA toda a água da rede pública que eventualmente possa ser utilizada em combates a incêndios que deflagrem em torno (e dentro) de alguns aglomerados urbanos; Os Sardoalenses sujeitarem-se a não terem água nas suas torneiras se a água da Barragem da Lapa por motivos vários não o permitir ou se a Autarquia se atrasar a proceder aos pagamentos em falta; o Município poder ver condicionado o seu desenvolvimento em torno de uma estratégia gizada pela Águas do Centro SA (se os reservatórios e as condutas adutoras agora previstas não servirem, num futuro próximo, os interesses do Município, paciência. Ou nos sujeitamos a estes ou teremos de pagar pelas suas correcções); o preço a cobrar pela Autarquia junto dos seus Munícipes, só pelo consumo da água, poder vir a ser mais do dobro do que aquele que presentemente é praticado, julgo não restar qualquer dúvida que todo este negócio é altamente ruinoso para o Município do Sardoal e para a sua população, e é um “AUTÊNTICO NEGÓCIO DA CHINA” para a Águas do Centro SA

“O GRUPO DOS 16”

Para a posteridade, passo a revelar o nome dos Autarcas que aceitaram, em nome de todos os Sardoalenses, as cláusulas de um contrato que a todos nós vinculará para os próximos 30 anos: Fernando Constantino Moleirinho (Presidente da Câmara Municipal); Luís Manuel Gonçalves (Vereador); Joaquim Gonçalves Serras (Vereador); Américo Corda Falcão (Presidente da Assembleia Municipal); Anacleto da Silva Batista (Deputado Municipal); António Vermelho Rodrigues (Deputado Municipal); Carlos Manuel Leitão Jorge Correia (Deputado Municipal); Carlos Manuel Pires de Oliveira (Deputado Municipal); Filipe Manuel dos Santos Pedro (Deputado Municipal); Francisco da Silva António (Deputado Municipal); Júlio Martins Lobato (Deputado Municipal); Orlanda Margarida Duarte Cabaço (Deputada Municipal); Fernando Teresa da Silva (Presidente da Junta de Freguesia de Valhascos); João Dias (Presidente da Junta de Freguesia de Santiago de Montalegre); Manuel José dos Santos Serras (Presidente da Junta de Freguesia de Alcaravela); Victor Lopes Pires (Presidente da Junta de Freguesia de Sardoal).

Do mesmo modo que aqui apresento todos aqueles que tornaram este pesadelo possível, será justo que na última página desta minha “cruzada” revele, também, o nome daqueles que tudo fizeram para o evitar.

O MEU PENSAMENTO FINAL SOBRE O CONTRATO DA ÁGUA

São cada vez mais elevados os níveis de exigências a que permanentemente estão sujeitos os Municípios. Insuficientes disponibilidades financeiras conduzem irremediavelmente todos os Municípios pequenos, a unirem-se numa lógica de economia de escala. O Município do Sardoal também não poderá fugir a este desígnio.

É no suporte deste desígnio que reafirmo que o princípio de adesão do Município do Sardoal ao Sistema Multimunicipal da Águas do Centro SA, para que esta última entidade assuma a gestão de todo o Sistema em Alta do Abastecimento de Água ao Concelho de Sardoal, por um período de 30 anos, não me merece qualquer contestação ou oposição. Só que uma coisa é concordar com o princípio, outra coisa é aceitar as regras de um negócio que privilegia uma das partes e prejudica gravemente a outra. Estando eu ligado à parte lesada neste “jogo negocial”, só tenho uma saída: exigir à outra parte a reparação dos erros.

Lembrando o poema IF de Rudiard Kipling, concluo:

Se … a Águas do Centro SA e o “Grupo dos 16” assobiarem para o lado diante dos erros por mim revelados, estou disponível para continuar a lutar até que a “voz me doa” ou até que seja ouvido.

Se … a Águas do Centro SA reparar todos os erros que descrevi e que se referem ao Sistema em Alta do Abastecimento de Água ao Concelho e ainda todos aqueles que em próximos artigos apresentarei e que se referem ao Tratamento dos Esgotos Domésticos do Concelho do Sardoal, estou disponível para validar a decisão tomada pelo “Grupo dos 16”.


(No próximo artigo: o Tratamento dos Esgotos)

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