quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A História de um Sonho - Parte 1

- Eco Eco 1 para Papa Foxtrot, diga se me escuta. Kapa!
- Papa Foxtrot para Eco Eco 1 à escuta. Kapa!
- Eco Eco 1 a passar Matacuane. Kapa!
- Papa Foxtrot entendido. Kapa!


Durante os 7 anos que estudei no Liceu Pêro de Anaia, na Beira (Moçambique), as minhas viagens diárias, entre a casa e a escola, separadas por cerca de 30 quilómetros, eram permanentemente acompanhadas por estas comunicações via rádio entre a carrinha de transporte dos alunos (filhos dos empregados da Fábrica da Lusalite no Dondo) e a Torre de Controle do Bairro da própria Fábrica.

Quando, em Agosto de 1968, o meu pai entrou ao serviço daquela empresa, aquela linguagem começou por me ser muito estranha, mas depressa me habituei a ela. E quando não era o motorista negro a fazê-lo (saudoso Balira) eram os próprios alunos que o substituíam, numa lógica de que todos os ocupantes da carrinha deveriam entendê-la e usá-la.

E não era difícil. Eco Eco 1 era a designação por que era tratada a nossa carrinha Mercedes (azul clara e com cerca de 20 lugares). Eco Eco 2 era a carrinha Volkswagen que transportava os filhos do Administrador da Lusalite (Engº Jorge Jardim) de entre os quais figurava a colunável Cinha Jardim e as suas irmãs (Kanicha, Carmo, Mituxa, Avelina, Miguel, Luisinha…). Papa Foxtrot era a Torre de Controlo localizada no interior do Bairro da Empresa. Lima Rómeo era o Jeep da Segurança que vulgarmente designávamos por Jeep da Ronda. A intenção destas comunicações era saber-se sempre onde se encontravam as carrinhas de transporte dos estudantes e eram consequência directa da guerra colonial que se desenvolvia algumas centenas de quilómetros mais a Norte. A prevenção aconselhava assim que, sempre que as carrinhas passassem por determinados locais, deveriam comunicar. Era á saída da Escola Industrial, do Liceu, dos Colégios dos Maristas, Camões e Nossa Senhora dos Anjos, das localidades de Matacuane, Manga e Nova Maceira, para além do Quartel da AD (Automóveis Destruídos resultantes da guerra).

Tudo isto serve de introdução a uma história que passarei a contar e que envolve um Bairro com cerca de 20 a 30 famílias e de como a visão de um grande homem (Engº Jorge Pereira Jardim) conseguiu criar condições para que todos os residentes nesse bairro, independentemente da sua idade, gostassem de viver. Muitos de nós que ainda hoje estamos vivos temos saudades desses tempos, porque as infraestruturas desportivas e de lazer que nos eram concedidas passados 40 anos, no meu caso (estou velho!) continuam actuais e poderiam, e deveriam, ser adoptadas, pelo menos, em duas das Freguesias do meu Concelho: Alcaravela e Valhascos.

Para que se perceba a dimensão do meu pensamento, 33 anos após a independência de Moçambique, a maioria das infraestruturas de lazer ainda hoje existem, conforme se pode constatar caso efectuemos uma "viagem" através do Google Earth.

A cerca de 30 quilómetros a Norte da cidade da Beira, à entrada da Vila do Dondo e do lado direito da Estrada Nacional que ligava a cidade da Beira à Rodésia (Zimbabwe) localizava-se a Fábrica de Fibrocimento da Lusalite. Junto a esta, um Bairro de vivendas unifamiliares albergava alguns funcionários que aí trabalhavam (trabalhadores essencialmente brancos).

Com uma disposição rectangular, o Bairro apresentava num dos seus vértices um conjunto de infraestruturas culturais, de lazer e desportivas de apoio aos trabalhadores e seus familiares, de fazer inveja a muitas vilas deste País.

(No próximo artigo em "A História de um Sonho - Parte 2" falarei do Clube, do Ringue, do Jardim, dos Campos de Ténis e de Tiro ao alvo, da Capela, da Sede dos Escuteiros e da Floresta.)

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