sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A História de um Sonho - Parte 2

No artigo anterior comprometi-me que na Parte 2 da “História de um Sonho” falaria das infraestruturas de lazer, cultura e desportivas de um pequeno bairro de 25 a 30 vivendas unifamiliares que “marcaram” todos aqueles que, como eu, tiveram a sorte de as experimentar e viver, nos longínquos anos de sessenta e setenta do século XX e nas longínquas paragens Africanas.

Tentarei descrever, o melhor possível, as imagens que tenho registado na minha memória.

Desse modo, hoje apenas tratarei do “Clube”.

O “Clube” era uma edificação em forma de um “V” aberto, de um só piso, com uma área de construção aproximada de 300 metros quadrados e localizava-se num extremo do Bairro. Por motivos de segurança só tinha janelas no alçado principal (parte exterior do “V” aberto) e estas eram constituídas por vidros com uma largura aproximada de 10 cm que abriam e fechavam “tipo” persiana horizontal.

A entrada principal processava-se através do vértice do “V”. Um patim semicircular com uma pérgola em betão e adornado por uma trepadeira tinha sempre cadeiras e mesas em fibrocimento que serviam de esplanada sempre que alguém optasse pelo exterior em detrimento do interior.

Abertas as portas envidraçadas de madeira, e de abrir, entrava-se na zona do bar. Um balcão desenvolvendo apenas um quarto de círculo e junto ao canto esquerdo da parede do fundo era a primeira visão que se tinha ao entrar. Do lado direito, uma mesa de matraquilhos fazia a delícia de todos nós (com 1 escudo tirávamos 7 bolas e com as folhas amarrotados do jornal “A Bola” cirurgicamente introduzidas no fundo das balizas jogávamos horas utilizando apenas uma só moeda). A meio da parede do lado direito uma porta abria para o espaço que poderei de classificar de espaço cultural enquanto que a meio da parede do lado esquerdo, uma porta abria para o espaço que poderei classificar de lazer puro.

Começando pela porta localizada na parede interior do bar localizada no lado direito, esta abria para um salão que teria seguramente uma área de 80 metros quadrados. Era neste salão que realizávamos os nossos bailes, as nossas festas e as nossas peças teatrais. Era a “nossa” sala de visitas.

A parede do lado esquerdo estava repleta de troféus desportivos obtidos pelos atletas da Lusalite pela prática do hóquei em patins, tiro e outras. A política desportiva do clube nesta matéria era que as taças conquistadas eram pertença do clube, enquanto os troféus e medalhas pertenciam aos atletas. (O meu contributo enquanto atleta apenas se resumiu a 3 ou 4 taças (tacitas) uma das quais, lembro-me bem, foi obtida quando aos 17 anos ganhei um torneio de tiro ao alvo com pistola de guerra “Walter”. E lembro-me bem porque foi uma prova que ganhei com 51 pontos, um ponto apenas mais que os 2º e 3º classificados. Nestas coisas também é preciso ter alguma sorte.)

No fundo do salão, e do lado oposto à porta de entrada que dava para o bar, localizava-se um palco sobrelevado em cerca de um metro e com uma superfície de uns 20 a 25 metros quadrados. No palco não faltavam as cortinas, de cor castanho claro, o espaço do “ponto”, um piano encostado a um dos lados (coitado do piano, tanto que sofreu com os meus dedos!) e do lado esquerdo dois pequenos camarins.

A parede do lado direito do salão era quase toda ela envidraçada e com portas de abrir para o exterior.

De volta ao bar, a porta que se localizava na parede esquerda abria para uma pequena sala, aí com uns 30 metros quadrados. No centro uma mesa de bilhar livre convidava a umas tacadas e carambolas. Ao redor da mesa de bilhar umas cadeiras de palha ou vime almofadas convidavam à conversa, ao “namorico”, à leitura, estudo e jogos de paciência a dois (xadrez e damas).

Uma nova porta dava para uma sala, agora maior, onde o “ping-pong” e as mesas das cartas (sueca, king e póquer) convidavam mais ao barulho e à confusão. Talvez a maior recordação que tenho daquela sala nem é as “maratonas” de king que fazíamos durante as férias escolares, nem os “trocados” que ganhava ao póquer, nem os torneios de ping-pong que por vezes fazíamos, mas sim quando jogava ping-pong com o “pelicano”. Jogando um pouco melhor que ele, sempre que me encontrasse prestes a ganhar uma partida, tinha de prestar muita atenção aos seus movimentos porque invariavelmente o seu mau perder fazia com que me devolvesse a bola para a mesa e a sua raquete para a minha cabeça (ainda hoje, quando olho para a minha mesa de ping-pong ou para uma raquete, me lembro destes episódios. Carlos, onde quer que estejas um grande abraço para ti.)

Para mim, o clube só tinha um reparo: a instalação sanitária dos homens era nas traseiras e no exterior. Sempre que estivesse a chover, até lá chegarmos, havia molha pela certa. Quanto ao mais, não consigo ficar indiferente diante da individualização e estanquicidade dos seus espaços.

Simplesmente notável a forma como o clube havia sido projectado que permitia a sua utilização desde o mais novo ao mais velho e sem haver necessidade de se ter numa das mãos um copo ou uma garrafa. Sem televisão ou computadores era a nossa imaginação e a nossa política social que dava vida àquele espaço. E que vida meus amigos. E que vida!

No próximo artigo falarei do Ringue e do Jardim.

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