segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A História de um Sonho - Parte 3

Dando continuidade à história de um sonho, hoje falarei do “Ringue” e do Jardim que serviam aquela pequena comunidade onde cresci e que dava pelo nome de Bairro da Lusalite, no Dondo, em Moçambique, e entre os anos de 1968 e 1976.

O “Ringue”

Quando saíamos do clube, o Ringue, a cerca de 60 – 80 metros surgia de pronto diante dos nossos olhos. Com o revestimento em betão afagado apresentava dimensões mínimas para a prática dos desportos designados de salão (hóquei em patins, basquetebol, voleibol, andebol, futebol de salão e outros). De formato rectangular, nos topos a rede metálica (tipo galinheiro), que se desenvolvia por uns 4 metros de altura, impedia que as bolas se perdessem para além dos limites do campo após as tentativas falhadas de se acertar nas balizas. Num dos lados maiores havia uma pequena bancada que servia para incentivarmos as nossas equipas com os célebres cânticos do “Rapa o Tacho” em que a nossa equipa estava sempre em cima e os nossos adversários sempre em baixo, e no outro lado maior, para além da protecção da rede, uma tela de cenário permitia que pontualmente assistíssemos a algumas exibições cinematográficas.

O "nosso" desporto-rei era o hóquei em patins. Conforme já anteriormente referi aquelas poucas famílias eram suficientes para “alimentarem” as equipas desde o escalão de infantis até aos seniores. Era rara a casa que não "contribuisse" com um jogador. Só a família Ramiro “contribuiu” com 4. Depois era os Narciso, o Marçal, o Aleixo, o Crispim, o Tó e muitos mais. Da minha casa o “contributo” resumiu-se ao meu irmão mais novo.

Os patins nos meus pés só sabiam andar para a frente e “recusavam-se” a travar a não ser que as tabelas lhes aparecessem á frente. “Burro velho não aprende línguas”. Quando calcei uns patins pela primeira vez tinha já perto de 14 anos. Os trambolhões fizeram com que eu percebesse que deveria escolher outra modalidade. A maioria dos meus amigos que jogavam hóquei quase que aprenderam primeiro a patinar e só depois a andar.

Para aqueles que se recordam dos feitos desportivos de Portugal nos anos de 50 e 60 não lhes será estranho os nomes de: Fernando Adrião, Bouçós, Velasco e outros. Eram na altura os melhores jogadores do mundo na modalidade de hóquei em patins. Pois bem, Velasco chegou a jogar e a treinar o meu clube na sequência de um convite que lhe foi formulado para trabalhar e residir na Lusalite no Dondo. Os nossos resultados desportivos, acreditem, que não eram de deitar fora e muitas vezes disputámos os campeonatos provinciais de Moçambique nas diversas categorias. Se bem me recordo chegámos inclusivamente a sermos primeiros.

Se o hóquei em patins era a modalidade primeira, o futebol de salão masculino e feminino vinha em segundo lugar. Aqui privilegiava-se mais a prática e menos a competição. E se é verdade que a “colunável Cinha Jardim” às vezes tocava na bola, a Lina é que era a nossa “Ronaldinha”. Aquele pé esquerdo fazia miséria. Quando aquele pé acertava bem na bola, marcava golo de baliza a baliza. Mesmo nós, quando, na brincadeira jogávamos contra ela, sempre que ela rematava a menos de 6 metros da baliza, aquele que tinha a responsabilidade de defender a baliza que ela atacava só tinha uma alternativa: com uma mão protegia a cara e com a outra o baixo-ventre e esperar que ela falhasse o corpo e a bola fosse ao lado. A bola chutada era de uma violência fora do vulgar.

Sobre aquele ringue muitas histórias se poderia contar, mas para a história que estou presentemente a contar julgo ser importante referir que, caso não chovesse, aquele campo de jogos, todos os dias tinha jovens a utilizá-lo.

O Jardim

As memórias que eu tenho do jardim, que se iniciava logo junto ao ringue, não são tão claras como aquelas que eu tenho dos outros espaços lúdicos. Recordo-me do “mar de sombras" que as altas árvores tropicais promoviam, os relvados, os caminhos em terra batida e o som da passarada. Era o local ideal para aqueles que, sendo mais velhos que nós, procuravam um espaço para conversarem ou tomarem conta dos filhos ou netos mais pequenos. Para isso não faltavam os baloiços, um banco de areia e até uns “cavalos” que, às vezes, também faziam a nossa “delícia” e que não passavam de uns bidões apoiados numas molas helicoidais, qual “rodeo”.

E no interior do Jardim, lá estava uma Capela muito simples, sempre aberta para o exterior convidando a uma oração. A irreverência da malta nova não dava muita importância a isso (como muitos de nós depois de vivermos um pouco a vida nos transformamos e passamos a olhar para esses espaços com outros olhos e outros sentimentos). Para nós, a Capela era mais para os nossos pais.

Enfim, se alguém pretendia refugiar-se e ficar sozinho com os seus pensamentos, aquele Jardim era o sítio ideal.

(No próximo História de um Sonho – Parte 4 falarei dos campos de ténis que se localizavam na extremidade do Jardim, do lado oposto ao Ringue, do campo de tiro ao alvo que se localizava logo a seguir e da Sede dos Escuteiros (Associação dos Escuteiros de Portugal Grupo 29) localizado nas traseiras do ringue e afastado deste cerca de 60 metros.)

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