quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A História de um Sonho - Parte 4

Vou tentar concluir hoje a descrição dos espaços de lazer que tive à minha disposição durante a minha juventude nas longínquas paragens africanas. E se os descrevo é porque pretendo provar o porquê de por vezes afirmar que todos nós, que vivemos neste pequeno Município, que dá pelo nome de Sardoal, poderíamos ter uma melhor qualidade de vida. Mas isso ficará para os próximos números de “A História de um Sonho”.

Regressando de novo ao passado…

Os Campos de Ténis

Na margem Sul do jardim, um espaço totalmente vedado com rede, encerrava 2 campos de ténis e uma parede onde se aprimoravam os reflexos para a sua prática(ao longo da qual uma pequena faixa pintada revelava a altura normal de uma rede que separa os campos adversários).

Reconheço que não foi um espaço que eu frequentemente utilizava. No entanto sempre que a ocasião se proporcionava aí íamos nós “bater umas bolas”. Todavia quando andava no 4º ano do liceu, era rara a semana que não fazia umas partidinhas com a “Mariquita”. Julgo que se chamava Maria do Rosário, vivia no bairro da Lusalite, era economista e… minha professora de matemática. Ainda hoje a “culpo” por, ao longo da minha vida académica, ter sido sempre um razoável aluno naquela disciplina. (Como os meus colegas sabiam que éramos amigos, vizinhos e jogávamos ténis, eu tinha de lhes provar que as boas notas que tinha não provinham da amizade, mas sim do facto de saber. Essa era razão que me obrigava a estudar mais do que eles. Com isso ganhei o gosto pela matemática e nunca mais o perdi.)

O Campo de Tiro ao Alvo

Conforme referi anteriormente, era política do Estado Novo, que a população branca residente em Moçambique estivesse permanentemente organizada, de modo a poder responder, pela força, a uma possível sublevação dos indígenas (comunidade negra moçambicana). A O.P.V.D.C.M. (Organização Provincial de Voluntários da Defesa Civil Moçambicana) era a imagem visível dessa política.

Por isso, não era de estranhar que tivéssemos à nossa disposição um campo de tiro ao alvo, onde pudéssemos aprimorar a nossa pontaria com armas de fogo. Tais campos de tiro ao alvo encontravam-se espalhados pelos mais diversos bairros. A 6 quilómetros de distância do nosso, havia logo outro pertencente à Nova Maceira (fábrica de cimentos pertencente a António Champalimaud).

No nosso campo de tiro, que se localizava a uma centena de metros do Jardim, apenas praticávamos tiro com armas de pressão de ar e calibre 22 (os exercícios com Mauser, Walter e G3, eram realizados no campo de tiro da Nova Maceira).

Com uma capacidade até 25 atiradores em simultâneo, aí praticávamos tiro a alvos localizados a 10, 25, 50 e 100 metros. Os tiros eram sempre feitos nas posições de deitado, de joelhos e de pé. Nunca nos faltava a manta para nos deitarmos, o rolo para colocarmos no peito do pé e os binóculos para sabermos, tiro a tiro, a eficiência dos disparos, sem termos de nos deslocarmos aos alvos.

Com a minha pressão de ar e a minha “ponto 22” (Espingarda Checa Brno) obtive vários troféus e medalhas, a maioria delas obtidas na posição de pé, por força do hábito de andar sempre á caça da passarada. E nunca nos faltavam as munições para treinarmos. Sem vento lá tinhamos as balas normais de cápsula bronzeada. Já quando o vento "incomodava" utilizávamos as balas de alta velocidade com as cápsulas prateadas. A “ponto 22” por não ser uma arma muito barulhenta e por ter um efeito mortal muito grande, era uma arma proibida para a caça grossa.

O Escutismo

Pese todas as valências que o bairro apresentava, mesmo assim, ainda “tínhamos de ser escuteiros”. De acordo com a visão desse grande homem (Engº Jorge Pereira Jardim) era importante, ainda, que nos fossem facultadas “ferramentas” que nos poderiam ser muito úteis para quando deixássemos de ser jovens e passássemos a ser homens e mulheres.

E assim foi construída uma sede (possivelmente a única sede de escuteiros alguma vez construída em que a sua geometria é uma flor de lis) e foi criado o Grupo 29 da Associação dos Escuteiros de Portugal. Dividida ao meio, o lado esquerdo da Sede pertencia aos rapazes liderados pelo Chefe Augusto Aleixo (empregado da Lusalite) e o lado direito pertencia às raparigas que eram lideradas pela Chefe Maria Teresa Jardim (esposa do mentor).

Uma faixa de floresta (tipicamente tropical onde não faltavam as altas árvores, lianas e uma imensidão de animais selvagens desde a mais simples cobra até aos “chatos” dos macacos-cães) dava-nos o prazer de explorarmos o desconhecido. Ainda hoje quando me recordo que, sempre que pretendíamos acampar no seu interior, as limpezas das clareiras, para aí montarmos as nossas tendas, eram sempre acompanhadas de uma matança de cobras e que havia noites em que circulávamos no interior da mesma guiando-nos apenas pelos clarões dos pirilampos, me dá arrepio na "espinha". Era preciso ter uma grande dose de loucura para não recear o medo. Mas será que quando se é jovem não se transporta essa dose de loucura? Não éramos diferentes dos jovens que nos antecederam e que nos precederam no tempo.

(Um dia, do baú das minhas memórias, ainda retirarei algumas histórias que aquela floresta me proporcionou e aqui, neste meu blogue, as contarei.)

Reflexão final

Antes de voltar a dar um salto de regresso ao meu espaço e ao meu tempo julgo ser importante que todos aqueles que me acompanham nesta história percebam o que sinto quando lamento as condições de vida que o Concelho do Sardoal proporciona a todos aqueles que aqui residem independentemente da sua idade.

Porque é que passados 40 – 50 anos depois daquelas 25 a 30 famílias terem tido todas aquelas condições de vida, ainda hoje uma comunidade com cerca de 4.000 almas (à qual pertenço) não possui tais condições e a sua diversão basicamente é conseguida à custa de uma garrafa de cerveja nas mãos?

Que tipo de identidade e coesão uma sociedade pode ser construída sobre tais alicerces?


(Para aqueles a quem esta história do meu passado de jovem tenha despertado alguma curiosidade convido-os a visitarem o que resta de todos os espaços lúdicos, desportivos e culturais que descrevi. Acedam ao Google Earth (versão 2008), introduzam o nome “Dondo, Mozambique” e desloquem o cursor para as coordenadas 19º 37´ 40” (Sul) e 34º 45´ 22” (Este). Aí chegados encontrarão o Clube (19º 37`39,15” S e 34º 45`22,80” E), o “Ringue” (19º 37`41,22” S e 34º 45`21,62” E), a Sede dos Escuteiros (19º 37`42,80” S e 34º 45`23,15”), o Bairro da Lusalite e a Floresta. Boa Visita! Os que não conseguirem e estejam interessados podem procurar-me que os ajudarei nessa visita).

(No próximo História de um Sonho – Parte 5 passarei a abordar o presente)

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