sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A História de um Sonho - Parte 8

Para terminar o périplo de breves visitas pelas Freguesias do Município do Sardoal falta apenas a Freguesia do Sardoal.

Acompanhem-me, então, pelos caminhos da minha Freguesia, a Freguesia de Sardoal.

Com uma superfície de 33 quilómetros quadrados, a Freguesia de Sardoal possui 12 lugares habitados, incluindo claro está, a Vila com o seu próprio nome.

O processo de desertificação nesta Freguesia não tem sido tão acentuado como nas outras Freguesias do Município, mas não deixa de existir. Dos 3142 habitantes que residiam na Freguesia no ano de 1960, passaram para 2743 no ano de 1970, depois 2368 no ano de 1981, depois 2312 em 1991, depois 2319 em 2001 e, seguramente, menos de 2300 neste ano de 2008. Concorre para o meu juízo de que hoje existem menos de 2300 habitantes na minha Freguesia em virtude de, em 2001, 25% da população já apresentava uma idade superior a 64 anos, contrastando com os 15% que apresentava uma idade inferior a 15 anos. Para além deste pormenor, os eleitores inscritos nesta Freguesia no ano de 2005 eram de 2034 enquanto que os números actualizados a 31 de Dezembro se situam em 2012.

Diante dos números acima apresentados e se tomarmos como referência o ano de 1970 e não o ano de 1960 (ano de referência adoptado para as outras Freguesias) poderá concluir-se que o decréscimo da população não foi significativa e quem dera que tal variação também se tivesse verificado nas outras Freguesias. Tal deveu-se, em exclusivo, ao acréscimo real da população na Vila do Sardoal que, de algum modo, compensou as perdas verificadas nos outros lugares da Freguesia.

É verdade que a localização dos serviços públicos e privados principais são um “engodo” muito forte para todo aquele que não sabe onde assentar a sua âncora. Quem não gosta de viver perto de uma escola que pode garantir aos seus filhos toda a sua formação escolar até à entrada no ensino superior? Quem não gosta de viver perto de um Hospital ou Centro de Saúde? Quem não gosta de viver perto dos serviços públicos (Câmara Municipal, Conservatória, Finanças, etc) ou privados (Bancos, consultórios médicos, serviços especializados, etc? Quem não gosta de viver, o mais perto possível, do seu posto de trabalho ou onde possa desenvolver a sua actividade profissional?

Se juntarmos a tudo isto, a existência de alguns espaços lúdicos, de lazer e desportivos, temos um “cocktail” perfeito para percebermos a razão pela qual a Vila do Sardoal tem “conseguido” conter, o processo de desertificação que se verifica para além das suas fronteiras e no espaço que resta do Município a que pertence.

Nesta visita à minha Freguesia e em busca das condições de vida que são facultadas a todos aqueles que nela habitam, não é difícil de percebermos que existem duas realidades distintas, para além dos limites da Vila do Sardoal: os lugares com pouca ou nenhuma gente jovem e os lugares com alguma gente jovem. Se uma comunidade não apresenta um equilíbrio na sua estrutura etária algo não está bem. Todavia, quando tal desequilíbrio advém da inexistência de jovens que possam compensar a “partida” dos menos jovens já não se poderá afirmar que algo não está bem, para se passar a afirmar que tudo está mal. E tudo está mal porque, diante de tais dados, não será difícil prever-se o fim dessa comunidade num espaço temporal de uma ou duas gerações.

Havendo realidades tão distintas nesta Freguesia julgo que a visita que hoje vos proponho seja feita apenas aos lugares existentes para além dos limites da Vila do Sardoal, deixando a visita a esta para o próximo artigo.

Comecemos então por visitar os lugares com pouca ou nenhuma gente jovem. Para o efeito selecciono São Simão, Entrevinhas e Venda Nova. São Simão, dos 155 habitantes em 1960, restarão menos de 50 nos dias de hoje. Entrevinhas, dos 238 habitantes em 1960, restarão menos de 80 nos dias de hoje. Venda Nova, dos 103 habitantes em 1960, presentemente restarão cerca de 50.

- Será que estas três comunidades têm algo em comum, para além de se encontrarem, umas mais do que outras, num processo de desertificação difícil de conter?
- É claro que têm.

- Qualquer delas não tem um sistema público de recolha de esgotos domésticos, o que condiciona, desde logo, todo aquele que ali queira viver. Só um grande “amor à terra” é capaz de influenciar alguém a viver num local onde não existe tal infraestrutura e ser obrigado, por via disso, a possuir uma Fossa Séptica e estar permanentemente condicionado à disponibilidade dos serviços camarários em a despejar sempre que se encontre cheia. E quando a história mostra que entre a requisição e a execução do serviço podem passar largos meses, é preciso ter-se, mesmo assim, uma grande amor à terra para ali se continuar a viver. Até que um dia, o amor acaba…

- Qualquer delas não tem um espaço para os jovens poderem praticar um desporto, por mais simples que ele seja.

- Em qualquer delas, se os membros dessas comunidades quiserem confraternizar entre si, apenas lhes resta um café, que nem sempre está permanentemente aberto. E como a “cultura da cerveja” e o jogo da “sueca” tradicionalmente é mais cultivada pelos homens, às mulheres, para além de um café e de umas conversas de oportunidade, pouco resta. Isto é, os residentes destes três lugares, se quiserem viver o tempo que o trabalho e as vivências que o lar dispensa, são obrigados a buscar outras paragens e outras comunidades. Para os mais velhos já só resta o caminho de casa para a sua horta (quando ainda podem) e recordar pontualmente o passado, quando a oportunidade se depara, entre vizinhos.

- Qualquer delas possui uma Associação que, ou está moribunda, ou caminha a passos largos para esse estádio. Tirando o “entusiasmo de alguns resistentes” que teimam em lutar contra a adversidade da desertificação e que os leva anualmente a promoverem uma festa de Verão, pouco resta. Não é difícil de prever o desfecho para quando estes, poucos, resistentes já não conseguirem resistir ao cansaço que o associativismo provoca. É que, simplesmente, não têm quem os possa substituir.

Se mais provas do que acabo de afirmar não fossem suficientes para demonstrar o que pode estar subjacente à desertificação destes lugares, a Venda Nova é um claro exemplo. Mesmo com uma excelente inserção na malha viária regional e nacional, uma topografia favorável à construção e um ambiente saudável, muito poucos são aqueles que escolhem tal espaço para viver, pese os loteamentos particulares ali promovidos.

Passando aos lugares que apresentam uma estrutura social mais equilibrada e que se localizam para além dos limites da Vila do Sardoal, a nossa visita passará agora por Andreus e Cabeça das Mós. Em Andreus, dos 551 habitantes que havia em 1960, restarão, aproximadamente, cerca de 300. Em Cabeça das Mós, dos 682 habitantes que ali residiam em 1960, já só restam cerca de 260.

- Estas duas comunidades, de algum modo, conseguiram nos últimos 20 anos conter a velocidade da desertificação, embora qualquer delas (mais Cabeça das Mós) tenham todas as condições para inverter tal desígnio.

- Ambas possuem uma rede pública de esgotos domésticos. (Não lembra ao diabo que a Câmara e Assembleia Municipal de Sardoal, no ano de 2006, tenham aprovado um protocolo com a Empresa Águas do Centro S.A., para que esta assuma a responsabilidade de tratar as águas e esgotos de todo o Concelho, durante os próximos 30 anos, e, naquele, Cabeça das Mós não figurar como possuindo qualquer estação de tratamento de esgotos. E não possuindo tal infraestrutura, Cabeça das Mós ficou fora dos propósitos de investimento da Concessionária, na área do Tratamento de Esgotos Domésticos, durante tal período de tempo. E não lembra ao diabo porque, mesmo depois de eu ter alertado para o facto do protocolo ser omisso quanto à existência das ETAR´s de Cabeça das Mós e Monte Cimeiro/Vale das Onegas, foi entendido que o facto de não figurarem no protocolo, a “Águas do Centro, S.A.” assumiria na mesma tais compromissos. “- Aqui só entre nós, que ninguém nos houve, quando subscrevemos um contrato com alguém, alguma vez poderemos reivindicar o que dele nada consta? Se assim fosse, para que serviriam os contratos? É preciso ter lata!...”)

- Tanto Andreus, como Cabeça das Mós, têm uma Associação e, justiça seja feita, a dinâmica de Cabeça das Mós é francamente superior à de Andreus. O espaço da Internet e a sua biblioteca são alternativas para quem queira confraternizar com outros sem que para isso tenha de ter um copo ou cartas numa das mãos.

Enquanto que em Cabeça das Mós existe um ringue que convida a uma partida de futebol de 5 (quando é que alguém é capaz de dar o grito do Ipiranga denunciando a existência de mais desportos para além do pontapé na bola?) pese apresentar algumas deficiências que há muito requerem correcção, já Andreus tem um pequeno espaço com características de parque infantil mas onde as cautelas dos “pais galinhas” não aconselham muito o seu uso (aquele banco de areia, onde se encontram instalados aqueles quatro aparelhos, deve ser um “paraíso fecal” para os cães e gatos das redondezas. Há quantos anos é que aquela areia não é substituída e porque é que aquele espaço não se encontra vedado e com sombras?).

- “E que mais há nestas duas localidades que possa aguçar a vontade de alguém aí querer assentar a sua âncora?” - Perguntarão.

- “Não há mais nada, para além de uma excelente localização em termos de acessibilidade às redes viárias regionais e nacionais” - responderei.

Que falta fariam a Cabeça das Mós e Andreus aquelas infraestruturas de lazer, culturais e desportivas que aquele bairro de 25 a 30 famílias, localizado no centro de Moçambique, já possuía há cerca de 40 anos e que em artigos anteriores já descrevi!...

(No próximo artigo de “A História de um Sonho” convidá-los-ei para concluírem comigo a visita à Freguesia de Sardoal, desta feita, visitando por fim a Vila do Sardoal)

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