quarta-feira, 23 de abril de 2008

25 de Abril de 1974

Já lá vão 34 anos e recordo aquela tarde. Passeando nas Ruas do Bairro da Lusalite no Dondo em Moçambique, eu e o Paulo falámos sobre a Revolução que estava em curso na Metrópole. Recordo-me de, na altura, ele ter manifestado uma grande preocupação sobre as possíveis implicações da Revolução no nosso futuro. Os meus 19 anos não eram capazes de absorver tais preocupações. Vivia em Moçambique já há 11 anos e nunca conhecera a hostilidade dos seus naturais. A cor da pele nunca havia sido por mim adoptada para marcar uma posição de poder ou força. Com 8 anos já o meu pai me ensinara a brincar e a partilhar o meu espaço com aqueles que nasceram com uma pele mais escura que a minha. Mesmo em Marromeu e no Luabo, onde vivera 5 anos e onde uma Empresa de açúcar Inglesa (Sena Sugar Estates) criara um sistema racial profundo através da segregação das raças (a sociedade era constituída por uma cadeia de raças, na qual a raça branca era colocada no topo relegando os negros para o extracto social mais baixo depois dos mestiços e indianos) houve condições para alterar a visão que eu tinha dos outros. A guerra colonial era um assunto que não me afectava muito. O quartel da AD (Automóveis Destruídos) que ficava no caminho do Liceu da Beira, de vez em quando lá me recordava a guerra que estava a ser travada contra os “terroristas”. Mesmo a morte em combate do meu saudoso amigo Crispim (Crispim Ferreira Gomes, alferes miliciano, morreu em combate em 1972) não fora suficiente para pensar que o meu futuro e o futuro de Moçambique não estivessem associados.
Alguns dias depois, os ventos revolucionários começaram a chegar da Metrópole. E esses ventos fortemente carregados de novas filosofias sociais implicaram que substituíssemos os livros que então líamos. O Capital de Karl Max, Lenine e outros começaram a decorar as nossas salas e mesas-de-cabeceira. Numa altura em que nas nossas mentes ainda residia o sonho de um amor e uma cabana tais filosofias eram som de violino para os nossos ouvidos. Se apreciar tais posturas sociais era ser-se comunista, eu era comunista. E com tamanhos ideais era o primeiro a influenciar o pensamento dos meus pais sobre a decisão de ficar em Moçambique e não retornar, como outros, a Portugal.
Como me enganei durante 2 anos! “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell parecia que tinha sido feito de propósito para retratar uma sociedade á qual pertencia e que era gerida por gente que tinha um pé calçado e outro descalço. (Comprometo-me que um dia voltarei a abordar este assunto). Muitos caminhos eu percorri desde então. Passados que são todos estes anos, tenho que reconhecer que a revolução dos Capitães de Abril valeu a pena e que é um processo revolucionário que todos os dias se renova: a conquista da nossa própria liberdade. E essa conquista só não é maior porque o caminho é longo e tem escolhos e armadilhas que gente com um pé calçado e outro descalço teima em retardar o nosso avanço. Duas opções se nos colocam: ou avançamos ou recuamos. Eu escolhi avançar.

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