domingo, 6 de abril de 2008

A (In) Disciplina na Escola (Parte 2 de 3)

1993 – Tinha 39 anos quando decidi concorrer a um mini concurso para Professor de Matemática do Ensino Secundário. Fi-lo, porque embora gostasse muito (e ainda gosto) da minha profissão de Engenheiro, o ensino associado à Matemática era (e ainda é) uma paixão. A minha experiência profissional à data, enquanto professor, resumia-se a 3 anos em que leccionara Português no Canada, ao abrigo do Programa “Heritage Language” promovido pelo Governo Canadiano, para além de algumas explicações pontuais de Matemática e Inglês. Possuindo habilitação suficiente, fui colocado como Professor Provisório do 3º Ciclo, 1º Grupo, na Escola C+S de Sardoal. A minha missão era ensinar Matemática a 3 turmas do 7º ano e 2 turmas do 8º ano, para um total aproximado de 120 alunos.
Carregando comigo numa mão o programa de Matemática que deveria leccionar e na outra a vontade de querer ensinar, iniciei as minhas funções.
O sucesso ou o fracasso de qualquer projecto depende do conhecimento que todos têm sobre os seus deveres e direitos dentro desse projecto e a vontade que todos têm em os defender. Para isso, existem regras que são previamente estabelecidas quer por nós, quer por outros, cabendo ao responsável ou coordenador desse projecto pugnar pela sua defesa. E a melhor forma dele a defender é mostrar aos demais que também ele tem o dever de cumprir com essas regras estabelecidas nunca se postando acima das mesmas.
As regras que estabeleci na altura foram simples: A minha missão era ensinar e a missão dos alunos era aprender; Eu era a autoridade máxima dentro da sala de aulas; O respeito prevaleceria nas relações entre o aluno e o professor; Todo o aluno mereceria a minha particular atenção independentemente ser mau ou bom aluno; Não admitiria que aluno algum desistisse de lutar por já não querer aprender matemática; Não puniria o aluno que não trouxesse os trabalhos de casa bem feitos, já o mesmo não sucederia no caso de não o ter feito ou tentado; Não admitiria que aluno algum troçasse de uma prestação menos conseguida de um colega; A indisciplina não tinha lugar na sala de aulas; Todos os alunos deveriam remeter-se ao silêncio absoluto sempre que eu ou qualquer aluno estivesse a participar num acto lectivo (costumava dizer que esta era a altura para ouvirmos o bater das asas de uma mosca); Era proibido mascar pastilha elástica no interior da sala de aulas e a postura do aluno na sua cadeira deveria ser a apropriada (sentado e nunca deitado).
Dirão por certo alguns que naquele tempo a adopção de tais regras poderiam ser consideradas rígidas. Eu não penso assim. Antes de as adoptar sentei-me no lugar do aluno (medíocre e bom que já fui) e pensei naquilo que gostaria de ter ouvido de todos os meus professores.
Após uma semana de aulas decorrida, percebi que numa turma do 8º ano, tinha dois alunos quais cópias perfeitas de um “Nelo” e de um “Zé Brás” (que descrevi na 1ª parte deste artigo). Alunos com conhecimentos muito limitados na disciplina de Matemática e com uma profunda desmotivação para a aprender. Durante algum tempo testaram-me para que os expulsasse da sala de aulas, chegando ao ponto de interromperem a aula para me provocar: “- Professor, o senhor foi o único que ainda não me pôs na rua!”, diziam gracejando. A minha reacção era imediata: “- Para a rua não vais, o que te pode acontecer aqui dentro, não sei!”, dizia eu de voz baixa e junto aos seus ouvidos, à medida que lhes ia apertando o ombro esquerdo ou o direito.
Apercebendo-me que em torno dos dois já se começava a formar um anel constituído por alguns alunos da turma, entendi chegar a hora de intervir. Aquele anel conhecia eu muito bem, em virtude de a ele já ter pertencido no passado. Sentindo que começava a ser “infectado”, decidi agir:
- Primeiro: separei os dois alunos fazendo com que entre eles houvesse mais do que um colega.
- Segundo: Fiz um desafio a mim próprio em como conseguiria que aqueles dois alunos invertessem o sentimento que nutriam pela disciplina da Matemática.
- Terceiro: Fui estabelecendo compromissos com eles para que tivesse sucesso no desafio a que me havia imposto.
- Quarto: Quando senti que esses compromissos estavam garantidos, decidi premiá-los concedendo-lhes o privilégio de tomarem conta dos seus colegas por me ausentar da sala de aulas a coberto de uma ida (forjada) à casa de banho.
Só dei aulas até ao fim do segundo trimestre em virtude de ter sentido a necessidade de apostar na minha carreira de engenheiro.
Quando me despedi de todos os meus alunos, a despedida que mais me marcou foi aquela que envolveu estes dois alunos. Por entre um forte abraço e uma lágrima furtiva nos cantos dos olhos, tive o reconhecimento do meu sucesso traduzido na frase que um deles pronunciou “- Que pena tenho de não o ter encontrado mais cedo!”. O texto que entenderam colocar no topo de um bolo que me foi oferecido pela turma “Doeu mas valeu” complementa os seus sentimentos.
Desde então perdura uma amizade entre nós. Os dois são hoje bons profissionais na carreira que seguiram, casaram com duas mulheres magníficas e têm, cada um deles, uma filha maravilhosa que adoram e que já pisam o espaço da escola.

[Na próxima A (IN) DISCIPLINA NA ESCOLA (Parte 3 de 3) exprimirei o que penso sobre a Indisciplina na Escola agora que foi conhecido o caso do telemóvel protagonizado por uma aluna e uma professora numa escola do Porto.]

Sem comentários: